ROUTE 118
Foi num cálido entardecer de terça-feira 5 de Abril do ano da graça de 2011 do Século XXI que um veículo arrastando sua pesada carga de madeira de eucalipto entre Rossio ao Sul do Tejo e o Tramagal, encaixou os rodados posteriores de seu reboque entre o limite de alcatrão e o rail de protecção da Estrada Nacional 118.
“Vem por aqui” – dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui!”
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…”
Com o arrastar da noite e as tentativas frustradas para dali se soltar, resultou pior a emenda que o soneto!
“Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…”
Desemborcou-se pela ladeira só parando junto à linha da Beira Baixa, qual carocho de patinhas para o ar!
“Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…”
Durante todo o dia seguinte foi um ver se te avias de homens e máquinas resgatando a madeira e o ferro retorcido que repousavam no fundo do pequeno vale reentrante à estrada.
Ao fim daquela tarde de quarta-feira o troço abriu ao trânsito... revelando que no fatídico local, se tinha feito um serviço tipicamente português!
Devido ao voluntarismo das pesadas máquinas de resgate, o pavimento houvera descaído uns quantos centímetros na convexa curva da estrada, provocando qual concavidade até mielas da faixa, convidando os dinâmicos veículos e seus incautos ocupantes a aproximarem-se involuntariamente da falsa berma que apontava à ausência dos rails protectores com enorme desejo de engolirem o abismo por onde mergulhou o camionista contribuinte.
“Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…”
Uma frágil e estreita faixa de plástico delimitava o perigoso intervalo, assinalando parcamente o perigo iminente.
“Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?…
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…”
Na aproximação daquele local não se vislumbrava sinal de trânsito que antecipasse os condutores para a incomum situação.
“Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios…
Eu tenho a minha Loucura!”
Nos primeiros tempos os habitués estariam atentos ao facto mas com a rotina e alguma chuva à mistura, os menos atentos ali poderiam adquirir outra noção de dinâmica, de física, de gravidade e dos prestimosos serviços do INEM.
“Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
– Sei que não vou por aí!”
Retalhos do poema “Cântico Negro” de José Régio.
4 comentários:
Com que então o Cidadão mudou de poiso! Pelo que se vem depreendendo pela evolução dos acontecimentos, está sendo alvo das pressões externas. Com o seu tom acutilante, nesta democracia de interesses é com o que pode contar, caro amigo!
É à portuguesa Cidadão.
saudações
À portuguesa e à balda, ciber Tramagalense!
E 15 dias se passaram sem a reparação efectuada!
Que não chegue a hora de alguém mais incauto galgar por aquela falha do rail!
Se o dito cujo lá estava é porque por lá faz falta!
Depois da casa roubada, trancas à porta!
Mui grato pelo seu comment's, mister Joaquim!
Cá o Cidadão abt sente-se mais impressionado do que pressionado!
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