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Este militante anti-cinzentista adverte que o blogue poderá conter textos ou imagens socialmente chocantes, pelo que a sua execução incomodará algumas mentalidades mais conservadoras ou sensíveis, não pretendendo pactuar com o padronizado, correndo o risco de se tornar de difícil assimilação e aceitação para alguns leitores! Se isso ocorrer, então estará a alcançar os objectivos pretendidos, agitando consciências acomodadas, automatizadas, padronizadas, politicamente correctas, adormecidas... ou espartilhadas por fórmulas e preconceitos. Embora parte dos seus artigos se possam "condimentar" com alguma "gíria", não confundirá "liberdade de expressão" com libertinagem de expressão, considerando que "a nossa liberdade termina onde começa a liberdade dos outros"(K.Marx). Apresentará o conteúdo dos seus posts de modo satírico, irónico, sarcástico, dinâmico, algo corrosivo, ou profundo e reflexivo, pausado, daí o insistente uso de reticências, para que no termo das suas incursões, os ciberleitores olhem o mundo de uma maneira um pouco diferente... e tendam a "deixá-lo um bocadinho melhor do que o encontraram" (B.Powell). Na coluna à esquerda, o ciberleitor encontrará uma lista de interessantes sítios a consultar, abrangendo distintas correntes político-partidárias ou sociais, que não significará a conotação ou a "rotulagem" do Cidadão abt com alguma dessas correntes... mas tão só a abertura e o consequente o enriquecimento resultantes da análise aos diferentes ideais e correntes de opinião, porquanto os mesmos abordam temas pertinentes, actuais, válidos e úteis, dando especial primazia aos "nossos" blogues autóctones... Uma acutilância aqui, uma ironia ali, uma dica do além... Assim se vai construindo este blogue... Ligue o som e... Boas leituras.

sábado, 9 de abril de 2011

ROUTE 118


ROUTE 118

Foi num cálido entardecer de terça-feira 5 de Abril do ano da graça de 2011 do Século XXI que um veículo arrastando sua pesada carga de madeira de eucalipto entre Rossio ao Sul do Tejo e o Tramagal, encaixou os rodados posteriores de seu reboque entre o limite de alcatrão e o rail de protecção da Estrada Nacional 118.
“Vem por aqui” – dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui!”
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…”
Com o arrastar da noite e as tentativas frustradas para dali se soltar, resultou pior a emenda que o soneto!
“Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…”
Desemborcou-se pela ladeira só parando junto à linha da Beira Baixa, qual carocho de patinhas para o ar!
“Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…”
Durante todo o dia seguinte foi um ver se te avias de homens e máquinas resgatando a madeira e o ferro retorcido que repousavam no fundo do pequeno vale reentrante à estrada.
Ao fim daquela tarde de quarta-feira o troço abriu ao trânsito... revelando que no fatídico local, se tinha feito um serviço tipicamente português!
Devido ao voluntarismo das pesadas máquinas de resgate,  o pavimento houvera descaído uns quantos centímetros na convexa curva da estrada, provocando qual concavidade até mielas da faixa, convidando os dinâmicos veículos e seus incautos ocupantes a aproximarem-se involuntariamente da falsa berma que apontava à ausência dos rails protectores com enorme desejo de engolirem o abismo por onde mergulhou o camionista contribuinte.
“Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…”
Uma frágil e estreita faixa de plástico delimitava o perigoso intervalo, assinalando parcamente o perigo iminente.
“Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?…
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…”
Na aproximação daquele local não se vislumbrava sinal de trânsito que antecipasse os condutores para a incomum situação.
“Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios…
Eu tenho a minha Loucura!”
Nos primeiros tempos os habitués estariam atentos ao facto mas com a rotina e alguma chuva à mistura, os menos atentos ali poderiam adquirir outra noção de dinâmica, de física, de gravidade e dos prestimosos serviços do INEM.
“Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
 – Sei que não vou por aí!”
Retalhos do poema “Cântico Negro” de José Régio.