O
ESPECTRO
Cá o Cidadão levou alguns dias a recuperar da apatia antecedida do estertor em que caiu, após ter assistido a um dos mais rocambolescos episódios da sua vida,
concluindo que de facto há pelo menos um fantasma em Abrantes!
Oh! Sim! Segundo consta, as catacumbas do Paços do Concelho e do Palácio Falcão estão assombradas por enorme avejão que amofina os edis em todo o lugar!...
A
cena foi de tal forma avassaladora que para além de empossados, terá deixado os
protagonistas assombrados, possuídos, empoçados, possessos e com o protagonismo em baixo de
forma devido à súbita aparição dum espectro
de tal forma impactante que nos últimos dias pelo burgo não se tem falado noutro assunto, convidando à redacção de mais esta fantástica crónica num só acto!
Como que anunciando algo de paranormal, pairava
um suave aroma a arruda traçada a rosmaninho queimado no ar naquela memorável
tarde de Sábado 19 de Outubro...
Respondendo
ao convite para a Cerimónia de Instalação
dos Órgãos Autárquicos, numerosos
transeuntes iam-se acumulando junto à Escola
Doutor Manuel Fernandes enquanto o tempo escorria lento sobre a linha
avermelhada do horizonte onde os raios de Sol teimavam em rasgar as nebulosas farripas...
Assazes minutos vencidos foram suficientes para que a noite de Lua Cheia se pressagiasse sobre os negros
e cinzentos automóveis de gama alta que iam disputando os cada vez mais
escassos espaços de estacionamento, à medida que as imensas cadeiras perfiladas no amplo auditório da
escola aguardavam os ensurdecedores murmúrios dos convidados que nelas se acomodavam se bem quando a ténue essência da arruda entrecruzada a laivos de rosmaninho foi abafada por caprichoso odor a Denim do vulto do humanóide que ousara retalhar o pertinaz clarão proveniente dos espessos cortinados que dissimulavam as portadas do auditório...
Perante
o espanto dos presentes, a sinistra figura que ora se erguia, ora aparentava pairar rente ao soalho, foi-se acomodar numa das poucas cadeiras livres do auditório, cuja mingua dos
murmúrios denunciava a apreensão dos convidados perante tal aparição...
Não houveram soado as pancadinhas de Molière e já
o espectáculo parecia ter começado...
De
um extremo ao outro, a corrida mesa plantada no palco foi sendo preenchida pelas
personalidades do fim de tarde, constando do arranque da cerimónia de tomada de
posse dos órgãos autárquicos futuramente a vigorar no Concelho
de Abrantes durante os quatro seguintes anos...
O
público ia partilhando as atenções entre os movimentos do palco e a lúgubre
figura, qual estátua de cera que permanecia queda e em soturno silêncio...
-Oh! Pá! Esse gajo não tem vergonha
nenhuma...
-E alguns destes que aqui estão,
terão alguma vergonha? Se o gajo veio é porque deve ter sido convidado... não?
Ouvia-se
na plateia...
-Aquele ali não é o Barão Vermelho?
A indagação de alguém para alguèm...
-Olha! Olha! O patrãozinho veio felicitar o seu padrinho...
Soou
noutra direcção...
-Bolas!
Que desplante! É preciso ter córágem...
-Não sabe que esse Barão já é um mito urbano? Ele aparece e desaparece quando menos se espera...
-Se
calhar o promotor veio liquidar os 1.1 milhões de euros...
Um
singelo fragmento de diálogo...
No
auditório, o clima social mais se assemelhava ao ambiente do “Fantasma da Ópera” porquanto lá fora já
a noite se instalara e as luzes se acendiam quando o cerimonial passou ao
interminável desfilar de assinaturas, abraços, beijinhos, apertos de mão e
discursos protocolares, dando-se realce ao cartesiano botado pelo
recém-empossado Presidente da Assembleia
Municipal que deu largas ao pleonasmo, brindando o público com
algumas elipses perante meia plateia embasbacada e a outra meia de ôlho no
avejão que encetara em levitar pelo espaço...
Senão
leiamos este breve trecho da oração do senhor em questão...
“Pela primeira vez a minha (a
nossa) geração olha e vê uma situação em que:
- a economia se afunda “ para baixo”
- a desigualdade “sobe para cima”
- o bem estar “recua para trás”
- a prosperidade vira empobrecimento
- o progresso vira retrocesso
- a democracia europeia arrasta os pés
- o passado nacionalista e xenófobo parece ressuscitar
- os fantasmas dos autoritarismos começam a renascer”
Decerto que a alusão aos fantasmas autoritários, terá consistido numa ode dirigida ao Barão
Vermelho...
Se
quem compôs este excelente discurso foi o mesmo doutor que redigiu o protocolo da negociata com o Fantasma da Assembleia, perdão, com o Barão Vermelho, terá que rectificar
o seu erro gramatical no termo desligitima para
um singelo “deslegitima”. Porém, nada de preocupante, mas há por aqui um pormenor que agradou ao Cidadão...
Enquanto
a re-presidenta e respectivos órgãos da comunicação social regionalista
subsidiados pelo regime se fartam de bradar aos Céus
que os sufrágios autárquicos deram uma retumbante vitória aos reinstalados,
este seguidor de Descartes terá por ventura mijado um
bocadinho fora do penico e sido algo mais certeiro com o seguinte tiro no pequenito e quão singelo pé da presidenta:
“O espaço público da cidadania
contrai-se. Os cidadãos eleitores afastam-se: a abstenção, o voto branco e o
voto nulo crescem.
Nós, todos nós, acabámos de ser eleitos pelos cidadãos eleitores de concelho de
Abrantes.
Primeira nota a registar:
- de modo genérico fomos eleitos com menos votos. Mas com mais votos na
abstenção, nos votos brancos, no voto nulo.
Precisamos de ter a humildade de andar com isto na nossa cabeça. Tirar as devidas
lições. Agir em conformidade”
Teria naturalmente sido com este excerto que a plateia vibrou, estremeceu e olhou de
soslaio para a alma penada...
perdão, Barão Vermelho!
“4.2 No País precisamos de
cultivar uma cidadania exigente. Exigir reformas sérias e profundas no sistema
e nas instituições políticas – e lutar por isso nos nossos partidos e nas
instituições onde estamos.
Desde a exclusividade no exercício de funções de representação, nomeadamente de
deputado, à alteração da legislação eleitoral e redefinição dos círculos, a
realização de primárias abertas aos cidadãos para a escolha de candidatos a
cargos de representação social, à abertura a candidaturas independentes também
à AR, o combate à corrupção, a criminalização do enriquecimento sem causa
lícita, a promoção da ética e da transparência no Estado e na Administração – a
exigência de uma justiça que funcione: eis alguns tópicos de devem e temos que
colocar no debate político”
No
final da cerimónia e face a quão sublime discurso, flutuando frente à assistência
estarrecida sem antes ter pairado um bocadinho sobre a mesa da Assembleia, o espectro do Barão Vermelho pousou suavemente rente ao palanque, expectando-se que
trazendo consigo o tal cheque de um milhão e cem mil euros do povoléu e que perante tantas testemunhas aproveitaria o momento solene para o entregar à presidenta do município
tubuco... dando a boa nova que desta feita arrancaria em força com o mega-projecto do Casal Cortido...
-Mas não!!!
Mais
uma vez a montanha parira um rato porquanto o espectro apenas pretenderia saudar os presentes, felicitar os ganhadores e desejar boa sorte ao recém-constituído executivo!
Concluído o discurso, diga-se de passagem que terá sido um alívio para os presentes que não sabiam muito bem se às páginas tantas o Barão Vermelho se transformaria numa temível hidra de sete cabeças!!!
Dali os expectantes rumaram a jantarada tal, onde o restaurante contratado para servir as orgásticas refeições teve oportunidade de demonstrar bom gosto na decoração e enorme habilidade geométrica!
A
barracada toda é se num destes dias o Barão
Vermelho aparece por aí, liquida os 1.1 milhões de euros ao município abrantino, constrói as famigeradas fábricas de painéis fotovoltaicos e cria os prometidos dois mil empregos
homofóbicos...
Como estamos perto do Natal...
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