CATA-VENTO
Fazia
uma canícula de invejar a Amareleja
quando este Cidadão
tentou resguardar-se dos raios ultravioleta bem acima dos 40 graus centigrados, num
recanto sombrio e mobilado a mesas de pic-nic, ali para as
bandas da Esplanada 1º de Maio... mesmo à rectaguarda do posto de turismo.
Um
filhote de cuco arrulhava discretamente enquanto a restante passarada piava baixinho
entre o folhedo dos plátanos, não fosse chamarem as atenções dos alérgicos às
árvores ou serem topados pelas avejanas
de quem arrecadariam repetidas lavagens filosóficas de se ficar tal e qual.
Máquinas
devoradoras de distâncias roncavam na Avenida
25 de Abril enquanto leves sopros de brisa incomodavam o folhedo
amarelecido que se desprendia das galhas.
Parecia impossível como o pequeno espaço
conservava temperaturas amenas, nada comparáveis ao braseiro que se fazia sentir
na restante esplanada onde saltitavam pardalitos que não conseguiam manter
as patitas firmes sobre o escaldante asfalto.
Estava portanto um calor do camandro!!!
Fazendo
contas de cabeça, o Cidadão encucava no quinhão que lhe caberia
para liquidar trinta oliveiras centenárias adquiridas pela gastadeira municipal...
Se
facturadas ao mês, caberiam aproximadamente quatro
euros a cada agregado familiar a descontar no concelho de Abrantes e não fosse o negócio estar publicado no portal "BASE.gov" até os munícipes apolíticos poderiam acreditar que os cinquenta mil euros mais IVA e uns pózes de logistica e replantação, resultariam de colecta feita entre os pais dos alunos da Escola Básica Maria Lucília Moita...
Sob
intenso calor, o tronco do plátano ia rangendo e emitindo breves estalidos...
O
marulhar da ramagem assemelhava-se ao compasso de carretos metálicos jogando
entre si, alternado com um ruído semelhante a cabos de aço chicoteando metais,
semelhante ao ranger dos navio acostado em porto seguro...
Querem
lá ver que o plátano ganhou vida?!
O
Cidadão já
observara plantas carnívoras mas à excepção das protagonizadas nas aventuras do
Flash Gordon, as demais são de
diminuta estatura, contento vistosos pólipos que deixam os gulosos insectos
completamente grudados à substância viscosa contida nas folhinhas...
O
plátano insistia em emitir pequenos ruídos metálicos, promovidos à primeira
ordem cognitiva deste munícipe...
Pois...
Na aldeia do
Pego o município erradicou trinta e
dois destes espécimes por os entender nefastos para a saúde pública, o que faz
sentido…
Segundo
consta, as raízes de meia dúzia avançavam por debaixo das moradias enrolando-se
lentamente às canalizações e infiltrando-se nos
esgotos das casas de banho...
Azar
o deles, em vez de se meterem nas casas do comum contribuinte, foram fazer
cócegas a um administrativo mor que
tratou do seu processo de erradicação bem como acenar com os mecanismos
judiciais contra quantos se manifestarem contra a desarborização do Largo do Sobral…
Em
certa ocasião, há bué da anos, este Cidadão
leu qualquer coisa relacionada com a literatura negra que constava de plantas
vorazes, originando a que durante um boa parga de meses tivesse desenvolvido botanofobia a heras, buganvílias,
glicínias, roseiras, jasmim, madressilva, passiflora e outras raízes aéreas,
exceptuando as vides...
"Trepem, trepem
trepadeiras! Trepem, trepem pelo ar! Que de plantas rasteiras, está a terra a
abarrotar. Trepem, trepem trepadeiras! Trepem, trepem sem parar! E se o muro
acabar, trepem, trepem trepadeiras, por um raio de luar."
As
consequências foram nefastas ao ponto de evitar montar as canadianas perto de vegetação rasteira e sempre que ia à casa de
banho... não podia passar sem vistoriar os gargalos dos sanitários!!!
Na
deita não esquecia passar uma vista d’olhos por baixo da cama...
Uma
época horrível em que os vasos das plantas decorativas foram parar ao
galinheiro, não só porque a fotossíntese podia comer o oxigénio da habitação
como a polinização poderia asfixiar um desgraçado durante o sono, ao ponto de duas
pedreses aparecerem completamente esventradas e suas penas espalhadas por todo
o lado, ao que a Companheira deduziu
que tivesse sido trabalho de doninha, explicação que nunca venceu o cepticismo
deste Cidadão...
As coisas ganhavam consistência, recordando a época vencida, em que o Smirnoff foi substituído pelo Zoloft e o médico desaconselhou a literatura
negra...
Arregaçou
discretamente os fundos das calças, não fosse as raízes dos plátanos já lhe
terem tomado o pulso aos artelhos...
-E o
jornal do Crime, Senhor Doutor... Poderei por ventura ler o Jornal do Crime?
-Esse muito menos...
As
folhas ressequidas cambalhotavam ao sabor vento que se levantava na calçada...
Sacudindo
as botas, nada de novo... apenas um pombo em voo rasante veio pousar no murete
dianteiro, observando atentamente as manobras furtivas deste cidadão… o
columbus apresentava ar polido e elegante, dando para suspeitar se por acaso não seria
um dos tais colaboradores do município tubuco que andam por aí observando tudo…
Ou
por exemplo… um agente da Polícia
Informática de Defesa do Estado!
Ali pousara outro...
Se bem se lembram, nos
tempos d’antando houve uma polícia
destinada a sufragar, investigar, perseguir, capturar, deportar e eliminar
quantos manifestassem insurreição ao regime, sustentando as investigações nas dissidências ideológicas.
Hoje
em dia os investigadores preocupam-se com o combate às opiniões difundidas via internet que sejam avessas
aos sistemas institucionalizados de cariz azeiteiro, tentando encontrar elementos de prova que eventualmente se
possam coadunar à vertente penal de modo a intimidar os inconvenientes fazedores de opinião.
Neste contexto até um incivilizado cuspir para o chão poderá ser processado como perigoso
cuspir para o ar, bem fazendo lembrar os tempos da velha senhora em que um papagaio foi de cana por repetir trechos antagónicos ao regime e que ia ouvindo na via publica:
Eram
frases frequentemente saídas do bico do papagaio...
Tinha-se a ave transferido para a nova residência do regime totalitarista quando de tão vistoso, um galo
a cumprir pena por violação sexual confundiu o Osório com uma galinha, enveredando pelos galanteios
do arrasto da asa…
Farto
de tanto assédio, certo dia berrou-lhe o Osório:
Arregaçando
as bainhas das calças e tudo parecia igual...
Os
estalidos compassados faziam-se sentir cada vez mais presentes...
Agora
parecia que tudo se passava na cabeça, ou melhor, por cima da cabeça do Cidadão...
Ali mesmo ao lado, o abrigo da paragem dos autocarros mostrava indícios do apetite voraz do plátano...
Pelo aspecto da coisa, o quer que seja, terá um apetite voraz e força de mandíbulas capaz de trucidar o braço humano numa só trinca!!
Seria necessário agir com bastante cuidado...
Erguendo
a vista muito discretamente para não surpreender nem se deixar surpreender
reparou que algo se movia bem acima da copa da árvore...
Aquilo
parecia o pescoço dum réptil, se é que têm pescoço... vindo à
mente imagens de colossais serpentes outrora confrontadas nas estepes africanas...
Desde que andara à cata do crocodilo perdido, jamais sentira arrepios em tempos quentes...
Quer dizer.. quando surgem resquícios de paludismo também é assolado por idênticas sessões...
O
vulto progredia lentamente entre as clareiras de luz que a folhagem deixava
escapar no solo, fazendo-se ouvir um reco-reco...
Talvez
uma cascavel...
Foi
espreitando cautelosamente entre a folhagem para não chamar a atenção
daquele...
Bolas!
Era
o braço da grua que estaciona na obra estagnada, girando ao sabor da
brisa e passeando o enorme guincho suspenso sobre a cabeça dos transeuntes que
naturalmente se deveriam precaver com capacetes de construção civil...
Saindo
do sombrio abrigo, este praça dirigiu-se ao tosco paredão defendido por chapas
metálicas que são habituais na paisagem urbana do concelho, lá estando cravada uma panóplia de sinalética obrigatória
na prevenção de acidentes...
Pela
lógica, todo o espaço subjacente à
rotação do braço da grua estará sob a esfera jurídica da empreitada, concluindo-se que a Esplanada 1º de Maio careça de medidas preventivas de sinistros,
como por exemplo painéis afixados no retiro das merendas, abrigo da paragem dos autocarros e limítrofes...
Junto
ao Palácio da Justiça, cá o Cidadão dedicou algum tempo na observação da
grua destravada cujo braço apontava a direcção da brisa, como se cata-vento fosse...
Pois
é!
Tendo Abrantes
a maior pêra da Europa, a maior árvore de natal do país e o recinto escolar do
mundo com a maior concentração de oliveiras centenárias, que nem nas arábias, também esta santa terrinha
merecerá o epíteto de possuir o maior cata-vento
do país!
É tudo à grande e à portuguesa!
Do
primeiro piso do palácio das injustiças
melhor se avistava a evolução da grua abandonada no bloco de betão que rasga o
pano de uma muralha de valor substancialmente inferior a trinta oliveiras cinco
vezes mais recentes...
A
vista do conjunto semi edificado no declive reportou o Cidadão a tempos idos, algures
junto ao rio Nabão...
Frei
Serrano traria as fraldas agarradas ao rabo quando em Thomar havia uma esplanada protegida por frondoso arvoredo onde os
seres pensantes esqueciam o tempo em amenas cavaqueias, redundando prejuízo
para o negócio da pastelaria adjudicada, na medida em que o consumo para uma
tarde de ananases se restringia ao café e copo d’àgua...
Vai
daí, o industrial que explorava a planura resolveu cortar um centímetro nos pés
dianteiros das cadeiras, permanecendo os assentos discretamente inclinados para
diante.
Repousando
os músculos lombares sobre o conjunto ergonómico os veraneantes que demandavam
a aprazível esplanada, solicitavam bens de refrescante consumo e quanto mais se
relaxavam, mais os corpos perdiam firmeza, primeiro descaindo no plano vertical
e de seguida as nalgas deslizavam sobre os assentos, acabando com as barrigas
encaixadas debaixo das mesas.
Cinco
minutos escoados e a fim de obterem posição algo confortável, os clientes
teriam de se chegar para riba, interrompendo a descontra...
Já
a modorra se lhes colava aos corpos e tinham de repetir o inusitado movimento,
quebrando o estado hibernativo...
Ao
fim do terceiro ensaio, formavam ideia em rever as montras da Corredoura delegando as filosofias para
posteriores sessões e libertando os lugares a favor de diferentes consumidores.
O
industrial descobriu a fórmula perfeita de induzir rotatividade nos fregueses,
rentabilizando o espaço sem ferir susceptibilidades...
Indagará
o ciberleitor sobre a relação entre
este assunto e o bloco de betão armado embutido a meio pano da muralha.
Bora
lá!
É
que ambos assentam em planos inclinados e consequentemente ambos terão
tendência em escorregar, sem no entanto ferirem susceptibilidades aos fregueses dentro da tal rotatividade...
Suponhamos
por exemplo que devido à densidade da massa envolvida na construção do mercado
faraónico, os alicerces fossem insuficientes para travar o deslizamento do
túmulo?
Nesse
prisma o construtor adjudicado teria que desmantelar o imbróglio para melhor
poder abrir outros alicerces consistentes de modo a que o Bunker da Céu não
deslizasse pelo declive... daí até nenhum aventureiro aceitar pegar na
escaldante batata podre por tuta e meia, seria um truz...
Como
cá o Cidadão
escreveu, será apenas uma conjectura, uma suposição, claro!
Para
concretizar a obra de arquitectura tumular que decerto atrairá bastante turismo,
bem o Barão Vermelho poderia criar uma empresa fantasma para recrutamento de
mão-de-obra espectral, promovendo inscrições por via electrónica, criando
bancos de dados, vendáveis para diversos...
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